Ciconia oleracea

Author: Henrique Alvez / Marcadores:


Eram duas crianças.
O menino mais baixo que a menina, mas ela era ligeiramente mais gorda. Não como uma bola, mas de uma forma a deixá-la aparentemente amigável a olhos alheios.

Os dois conversavam banalidades infantis enquanto ele a empurrava no único balanço que a escolinha pública podia fornecer a seus pequenos alunos.

Ambos deviam ter uns seis anos. Ele não gostava de carrinhos ou futebol, nem ela de bonecas ou pega-pega. Por esse motivo, passavam a maior parte do tempo juntos, sempre falando sobre as mesmas coisas, empolgados em rotineiras discussões que sempre acabavam em contradições típicas de criança.
"Você parece menina", riu a garotinha, enquanto o garoto continuava a impulsioná-la.
"Cala sua boca", encrespou o garoto que, mesmo ofendido, continuava a brincadeira, sem argumentos.
"Tem medo de escuro", continuou a menina "Só menina tem medo do escuro."
"Então você também tem medo?"
"Eu não!" Respondeu ela, enfaticamente.
"Então é menino."
"Olha, nem sou"
"É sim. Se eu sou menina por que tenho medo do escuro, você é menino por que não tem."

A gordinha permaneceu em silêncio, desarmada diante da conclusão do garoto.
"Como você nasceu?" Perguntou a garota, depois de um breve instante de profundo silêncio.
"Minha mãe disse que papai colocou uma sementinha na horta lá de casa, daí cresceu um repolho diferente e eu tava lá dentro.
"Que nojo!", exclamou a garotinha, achando graça.
"Você não nasceu assim?”, Espantou-se ele.
"Minha mãe me disse que a cegonha me trouxe numa cesta."
"Quem é cegonha?"
"Acho que é um bichinho"
"Então você veio de um bichinho e eu de um repolho?" perguntou o garoto, entregando-se às gargalhadas.
"Acho que é por isso que a gente é tão diferente"
"Eu acho isso muito errado.”, ele parecia confuso “Pra mim, todo mundo tinha que nascer de um jeito só."
"Se fosse tudo de um jeito só não ia ser legal", grunhiu a menina "Imagina se todo mundo nascesse de um repolho?"
"Seria melhor do que todo mundo nascer de uma cegonha... Sabe, você deve ser metade cegonha" Disse o garoto, terminando com mais uma gargalhada.
"Então você é metade repolho", concluiu ela.
"Acho que é por isso que gosto tanto de repolho..."
"Crianças!", gritou uma voz feminina muito aguda, chamando-os de volta.

Então, ela pulou do balanço, os dois deram-se as mãos e saíram rumo à salinha. Ele achando que era uma menina repolho, e ela crente que era um menino bicho.














Henrique Alvez.

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